Caras amigas, caros amigos
Esta biografia, como não podia deixar de ser, foi escrita por muitas pessoas e pelas mãos de Sarah, com ajuda de Enedina.
Para que ela se tornasse possível, foi necessário recorrer à Nancy Bazin, que generosamente escreveu sobre o que testemunhou ao lado de Maurice, entre 1955 e 1974, para o livro em homenagem ao Maurice que está sendo organizado por Alessandra Rangel e Eleonora Kurtenbach, atual presidente do Espaço Ciência Viva. Tivemos o privilegio de ter este texto de primeira mão, pela generosa oferta de Eleonora, que nos autorizou publicar no site.
O período entre 1974 e 1986, nos foi contado gentilmente por Tetê Moraes, em entrevista à Sarah Bazin, recentemente; e o período entre 1987 e 2009 foi contado por Enedina Martins e por Sarah Martins Bazin.
De modo algum pensamos que esta biografia chegou ao seu termo. Ela é apenas um esboço, uma descrição parcial do que cada um de nós que fala, testemunhou da vida de Maurice, sua trajetória linear singular.
Para que possamos entrar em cada uma destas etapas, com todas as suas nuances científicas, políticas, humanistas etc…, gostaríamos de poder contar com todas e todos que conheceram Maurice e trabalharam com ele. Estamos certos de que os testemunhos de cada um, cada uma, trará à luz muitas facetas de Maurice ainda desconhecidas pela maioria. Esta é a intenção da publicação deste site e desta plataforma participativa, trazer à luz o Maurice histórico, vivido por cada um de nós.
Convidamos todos e todas para esta construção coletiva!
Biografia
Maurice Jacques Bazin
Maurice Jacques Bazin nasceu em Neuilly-Sur-Seine, França, em 17 de agosto de 1934, filho de Georgette Yvonne Sommier e Jean León Bazin. Maurice foi filho único.
Ele foi criado por sua avó materna, Berthe Sommier, e recebeu o nome de seu avô materno, Maurice Sommier, que trabalhava como motorista de uma família aristocrata e, em seu ofício, foi mecânico de um dos primeiros automóveis franceses e foi o criador do freio de mão. Ele participou da primeira corrida automotiva.
No final dos anos 1930, após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, seus pais e sua avó decidiram morar juntos, a fim de reduzir os custos de vida e por razões de segurança familiar. Compraram juntos o apartamento no qual viveriam o resto de suas vidas. Maurice seria o único a quebrar com essa tradição familiar.
Maurice e sua família atravessaram todo o período da ocupação nazista vivendo neste apartamento e sofrendo todas as privações que a ocupação lhes impôs: racionamento hiper controlado de alimentos, de água, carvão para a lareira no inverno etc… Ele lembrava da estratégia de banho da família para economizar água, ele era o primeiro a tomar banho, em seguida sua avó, até seu pai, que era o último.
Como todas as crianças francesas nesta época, Maurice não foi poupado dos horrores da guerra. Contava, chorando, que costumava acompanhar um homem judeu, amigo da família, à rua como uma forma de protegê-lo. Até o dia em que houve uma batida policial no prédio e este amigo e sua esposa desapareceram.
Lembrava-se emocionado de como havia recebido sua primeira banana, aos 11 anos, das mãos de um soldado americano saído de um tanque de guerra. Estas experiências marcadas por toda a luta de seus pais, familiares e amigos pela libertação da França, entre os anos 1940 e 1945, fez com que se tornasse um pacifista. O significante aliado o acompanharia por toda sua vida e faria com que fizesse de todo aquele e aquela que encontrasse, seu, sua melhor amigo/a.
Sobre sua vida acadêmica Maurice contava que, no início, não era um aluno bem-sucedido e era pouco notado na escola e em casa. Entretanto, foi na adolescência que as coisas começaram a mudar e ele passou a se destacar e atrair a atenção de seus professores.
Foi através de seus professores, que Maurice passou a ser notado também por sua mãe, uma mulher extremamente exigente, fascinada pela língua inglesa, por Artes e pela moda. Foi uma exímia secretaria executiva, que trabalhou toda sua vida no escritório de um grande advogado americano na Avenida Champs Elysées. Seu pai, um homem de família mais modesta, trabalhava como ilustrador de uma companhia de propaganda. Foi também designer e fez fabricar alguns móveis de uso da família ainda hoje.
Fez sua formação secundária no Licée Pasteur, colégio próximo de sua residência. Após realizar o exame de entrada duas vezes, Maurice passou como Major (primeiro lugar), na Escola Politécnica de Paris (École Polytechnique), escola militar das mais conceituadas da França, onde se formou como físico. Sendo Major, ele teve a honra de carregar a bandeira francesa durante o desfile de 14 de julho de 1955.
Durante a Polytechnique e em cursos de especialização, ele compartilhou sua formação com colegas que se tornaram professores eminentes como Patrick Fleury, físico, colega polytechnicien e Adrien Douady, importante matemático francês que conheceu na École Normale, e que se tornaram amigos para vida inteira.
Durante esta etapa de seu trabalho acadêmico, Maurice compartilhou seus estudos e convivência com um colega argelino, Mohammed Liassine, que lhe ensinou, nas entranhas de sua formação militar francesa, o que seria ter que lutar contra seu próprio país, contra a colonização francesa na Argélia e contra a opressão do capital financeiro internacional, imposta aos povos do mundo, em especial os chamados países do terceiro mundo. Liassine se tornará, nos anos 1990, o Diretor de Gabinete do Primeiro Ministro Argelino, Bélaïd Abdessalam.
Ao final de sua formação na Polytechnique, em 1958, Maurice partiu para os Estados Unidos para continuar seus estudos. Ele foi fazer seu Ph.D na Stanford University na área de Física Nuclear de Alta Energia. Lá ele se casou com Nancy Bazin, sua primeira esposa, na capela da universidade e Patrick Fleury foi seu padrinho de casamento. Maurice e Nancy se conheceram quando ela estudava Letras em Paris, e seguiram juntos para fazerem seus respectivos doutorados em Stanford.
Após os estudos, em 1962, eles decidiram encarar uma viagem como jornalistas para a revista Hispanic American Report. O mundo estava em plena Guerra Fria e era a época da Revolução Cubana. Juntos, eles visitaram todas as Ilhas do Caribe, as três Guianas e o Brasil. Depois seguiram para o continente Africano, por onde passaram pelo Senegal, Guiné, Gana e Marrocos.
A viagem durou ao todo seis meses e Nancy engravidou nesse período. Eles voltaram para a França, onde tiveram seu primeiro filho, Michael Bazin, em outubro de 1962.
Na França, Maurice viu que na área que ele queria seguir, como professor universitário, ele não poderia lecionar antes dos 40 anos de idade. Isso o desiludiu com seu país natal e decidiu voltar e viver nos Estados Unidos, onde vários colegas de faculdade já estavam lecionando. Ele enviou apenas uma carta pedindo uma vaga como professor e pesquisador e essa única carta foi para a Universidade de Princeton, que o aceitou. Era lá que Einstein, uma das grandes paixões da vida de Maurice, lecionara apenas alguns anos antes. Maurice foi então trabalhar na “Bubble Chamber”, um programa do governo americano em que pesquisava partículas elementares. Nessa época ele começou a se envolver com o movimento de não-violência e contra a Guerra do Vietnã.
Em 1965, Maurice escreveu um livro junto com seu amigo de Stanford, Ronald Adler e, em uma segunda edição com a participação do orientador de Addler, Schiffer Menahem, sobre a teoria da relatividade de Albert Einstein. O livro, aclamado pela comunidade científica, se chama “Introdução à Teoria da Relatividade” (Introduction to General Relativity, no original), e continua a ser vendido pelo site da Amazon.
Quando o projeto da “Bubble” terminou, pesquisadores da Universidade de Rutgers vieram para Princeton e ofereceram a Maurice uma vaga como Professor Associado. Ele aceitou a proposta e a família se mudou para Piscataway, New Jersey. Rutgers ofereceu a ele uma cadeira fixa no departamento de física e então ele e a família compraram uma casa perto da universidade. Foi lá que nasceu sua segunda filha, Christine Bazin, em dezembro de 1969.
Preocupado, na época, com a posição de muitos cientistas e com a utilização feita pelo Estado Americano dos resultados das pesquisas científicas de sua área, Maurice dá início a uma nova fase de seu trabalho. Nos anos 1970 ele começa a colocar em prática uma filosofia de fazer ciências que difere do ideal do “cientista puro” construído no meio universitário.
Nessa época muitos intelectuais e cientistas de países ditos de “Terceiro Mundo” estavam migrando para os países de “Primeiro Mundo” e Maurice queria levar de volta o conhecimento para esses lugares. Assim, ele pôs em prática o que se chamou de Science for the People (Ciência para o povo), que era também o nome de uma revista americana que existe até hoje, na qual ele publicava e onde também publicaram outros cientistas engajados com causas populares. Nesta época, Maurice foi ensinar por curtos períodos em países como Cuba e Venezuela.
Em 1971, Maurice tirou um período sabático e, em família com as duas crianças pequenas, foi para a Argélia, onde ensinou matemática para trabalhadores de uma fábrica. Depois foram para o Chile, onde passaram um ano e lecionou física aplicada para professores do departamento de física da Universidade Católica do Chile, já na época do Governo Popular de Salvador Allende.
Em 1973 Maurice voltou para o Chile, sozinho, dessa vez para trabalhar com os operários nas fábricas. Com este trabalho, ele criou o conceito de alfabetização técnica e científica, que consistia em capacitar os operários das fábricas para que pudessem desenvolver capacidades, conhecimentos e habilidades necessárias para lidar com as questões práticas da fábrica, compreender como manusear os equipamentos de produção. Eles tinham acabado de tomar as fábricas dos grandes patrões e precisavam saber como garantir a produção e a evolução da indústria.
Foi durante esta segunda experiência no Chile que Maurice conheceu a jornalista e cineasta brasileira, Tetê Moraes, que estava exilada fugindo da Ditadura Militar no Brasil. O período sabático de Maurice terminou e ele voltou aos Estado Unidos para continuar seu trabalho em Rutgers. Mas o período no Chile vai marcar o resto de sua vida com o desejo de desabrochar e ir mais longe, sempre ao lado do povo.
Em 1974 Maurice se separa de sua primeira esposa, Nancy, e vai morar em Nova York com Tetê que tinha ido fazer seu mestrado nos EUA. Nessa época Maurice continua ensinando em Rutgers, mas está sempre envolvido com questões de democratização da ciência e participa da publicação Science for the People. É lá que ele conhece o amigo Sam Anderson, matemático e ativista negro americano e um dos membros fundadores do grupo Black Panther, com quem vai publicar o livro Ciência e In-Dependencia, em 1977.
Em 1975 Maurice tira mais um período sabático. Ele estava cansado dos Estados Unidos e queria voltar a ser francês. Ele vai com Tetê para França para tentar novamente um trabalho como professor universitário em Paris. Mas depois de cinco meses tentando Maurice não consegue o trabalho que gostaria por lá. Então, novamente desiludido com a França, os dois vão passar férias em Portugal e decidem ficar. Em agosto de 1975 eles alugaram uma grande casa em Estoril, e da varanda Maurice disse: “Olhando o mar de Estoril, decidi não voltar pra Rutgers”. Ele deixa então seu posto de professor permanente na Rutgers University.
Eles ficaram por dois anos na casa de Estoril onde receberam muitos exilados brasileiros de passagem, como Mário Pedrosa, Fernando Gabeira e Márcio Moreira Alves, ex-deputado brasileiro e que se tornou um amigo muito próximo. Márcio era casado com Marie Moreira Alves, uma francesa de quem Maurice ficou muito próximo e que no futuro considerará como irmã.
Em Portugal Maurice trabalhou na Universidade de Évora, lecionando Física Aplicada, e viajava toda semana de Estoril para Évora. Esse período foi logo após a Revolução dos Cravos, mas as conquistas da revolução não conseguiram ir para frente na universidade. Maurice decidiu então deixar Évora e foi trabalhar na Faculdade de Ciências na Universidade de Lisboa. Lá ele foi convidado pelos próprios alunos a lecionar e era pago por estes que estavam sempre entusiasmados com suas aulas. Nessa época, em 1977, ele e Tetê se mudam para Lisboa, no bairro da Picheleira.
Nesse período Maurice viajou bastante ao continente Africano participando de uma missão educacional da UNESCO. Em 1977 ele passou quatro meses em Angola para treinar professores de ciências em Luanda. No ano seguinte, em 1978, ele participou da mesma missão da UNESCO, mas dessa vez na Guiné Bissau.
Foi provavelmente nesta época que Maurice conheceu Paulus Gerdes, matemático marxista holandês, que foi para Moçambique logo após sua independência em 1975 participar de sua reconstrução. Paulus e Maurice tornaram-se amigos e passaram a dialogar e refletir sobre seus respectivos campos de interesses ao longo de suas vidas. Foi muito provavelmente nesta época que Maurice conheceu Paulo Freire e sua obra, tendo sido profundamente afetado por ela.
Com a abertura política no Brasil, ocorrida no final dos anos 1970, Tetê pode retornar a seu país natal e é acompanhada por Maurice. Eles se instalam no Rio de Janeiro em setembro de 1979. Alí, ele ocupa o cargo de professor de Física na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, ao lado de Pierre Lucie, e juntos montam o primeiro laboratório de física da universidade.
Participando ativamente da vida política e científica do Brasil através da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e das instituições como os laboratórios dos institutos de pesquisa universitários e da Fiocruz, Maurice passa a conhecer profundamente os problemas de educação enfrentados por seus colegas, professores e estudantes brasileiros.
Em 1983 junto com alguns professores e estudantes da PUC e da Fiocruz, Maurice inicia um trabalho de divulgação científica na TV Educativa: “Ciência às Seis e Meia“. Colabora na montagem de laboratórios itinerantes que passam pelas praças da cidade do Rio. No Dia da Célula, este grupo levou microscópios com lâminas e lamínulas para mostrar em detalhes plantas, pequenos animais e fios de cabelo para que os passantes pudessem descobrir o mundo da ciência.
Do mesmo modo, promoviam o Dia do Céu, montando telescópios na praça. Para cada evento, o grupo de teatro Tá na Rua, liderado por Amir Haddad, que preparava uma peça de teatro ilustrativa sobre o tema e, assim, unia a Arte e a Ciência com o único propósito de popularizar e desmistificar a ciência e o cientista, mostrando ao cidadão comum que este é capaz de entender conceitos científicos e que o cientista também é um cidadão como ele.
Em 1985, este grupo consegue a doação de um galpão do Metrô na Praça Saens Peña, Zona Norte do Rio, cedido pelo Governo do Estado. Esta conquista deu início à institucionalização e instalação de um espaço fixo. Em 1986, inauguram o Espaço Ciência Viva (ECV), o primeiro museu participativo de ciências do Brasil. O ECV se mantém em funcionamento ainda hoje.
Em 1989, já separado de Tetê Moraes e tendo iniciado um relacionamento com uma americana, Eileen O’Donnell, Maurice se prepara para deixar o Brasil. Ele decide voltar a trabalhar nos Estados Unidos e viver com Eileen em San Francisco.
Lá ele vai trabalhar no Exploratorium Science Museum, museu participativo de ciências onde Frank Oppenheimer criou uma modalidade de ensino baseado na construção de módulos experimentais, criando o conceito Hands On. Lá, o visitante envolve-se nas experiências proporcionadas pelos módulos experimentais, manuseando-os e refletindo sobre as experiências que realizam. Foi em parte o que inspirou a criação do Espaço Ciência Viva. No Exploratorium, Maurice ajudou a criar o Teachers Institute (Instituto dos Professores), uma formação Hands On com professores de ciências americanos.
O método Hands On criado por Openheimer tem a mesma estrutura do trabalho realizado por Maurice com os operários chilenos, em 1973, ao que em seu livro Ciência e In-Dependência nomeou como Alfabetização Técnica. Foi essa filosofia que, nos anos 1990, inspirou Maria Oly Pey, professora do Departamento de Educação da UFSC.
Mesmo tendo se mudado para San Francisco, no início de 1990, Maurice mantém-se na presidência do Espaço Ciência Viva. Nesta época, a partir do Exploratorium, ele cria um projeto de intercâmbio envolvendo o Exploratorium e o ECV. Isso permite uma rica troca entre seus membros, onde educadores do ECV passavam tempo trabalhando no Exploratorium e vice-versa.
Em 1987, no Espaço Ciência Viva, Maurice conhece Enedina Martins, uma estudante que havia iniciado um trabalho voluntário. Ela se tornaria sua futura esposa e em outubro de 1990, no Rio de Janeiro, nasce Sarah Martins Bazin, sua terceira filha.
No início dos anos 1990, Maurice foi convidado por Maria Oly Pey para ministrar oficinas relacionadas a temas de física experimental e matemática na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis. Ela tinha sido inspirada pelo livro Ciência e In-Dependência: “A “Ciência Pura Instrumento do Imperialismo Cultural o Caso do Chile”. Durante esse período Maurice foi co-orientador de Fábio da Purificação de Bastos, ao lado de Maria Oly Pey e orientador de Ademilde Sartori (Che), em suas teses de mestrado na UFSC. Desta colaboração com Maria Oly foi criado o Núcleo de Alfabetização Técnica da UFSC, juntando elementos da experiência de Maurice com os trabalhadores chilenos e as atividades do Teachers Institute.
Em 1997, Maurice retorna ao Brasil, já com a perspectiva de viver em Florianópolis. Ele se instala inicialmente no Rio de Janeiro, onde sua então esposa, Enedina Martins, finaliza a faculdade de psicologia. Enquanto ainda viviam na Usina, bairro localizado entre a Tijuca e o Alto da Boa Vista, receberam José Mariano Gago, Ministro de Ciência e Tecnologia de Portugal e amigo de Maurice da época que viveu em Lisboa. Gago foi inspirado pela criação do Espaço Ciência Viva e planejava criar um “Ciência Viva” português e convidou Maurice a ser seu assessor na construção do espaço em Lisboa.
Nesta época, o casal já havia iniciado a construção do que se tornaria a residência principal da família, com a expectativa de ter mais um filho. Eric Martins Bazin nasceu em dezembro de 1998, em Florianópolis, onde a família passou a viver um mês antes de seu nascimento.
Entre 1998 e 2006, Maurice participou ativamente de todos os movimentos do bairro. Ia muitas vezes às reuniões da Associação dos Pescadores Artesanais do Campeche e nas reuniões dos surfistas onde acompanhou atento as negociações entre sufistas e pescadores na época da pesca. Participou da Associação dos Moradores do Campeche (AMOCAM), ajudou a manter e redigir o jornal do bairro “Fala Campeche”, para o qual entrevistou os membros mais velhos da comunidade para ouvir e escrever suas histórias, com o objetivo de valorizar e manter a cultura local, participou dos mutirões comunitários para a construção do prédio da Rádio Campeche. Lutou ao lado de muitos pela manutenção do Bar do Chico e pela elaboração e discussão com o IPUF, do Plano Diretor comunitário da Planície do Campeche.
No final de 1999, Maurice foi procurado por Sílvia Oliveira e Gilvan Muller Oliveira, casal que havia fundado o Instituto de Políticas Linguísticas (IPOL). Eles convidaram Maurice para se inserir no Núcleo do IPOL que realizava educação indígena. Logo inicia seu trabalho junto aos índios, na Amazônia e é também convidado a trabalhar no Instituto Socioambiental (ISA), sediado em São Paulo. No ISA, ele trabalhou junto à Flora Cabalzar. Tanto o ISA, quanto o IPOL estavam envolvidos com a educação indígena e Maurice colaborou com ambas as instituições. Destas colaborações destacou-se o trabalho com o povo Tuyuka, no Alto Rio Negro.
Foi a partir deste trabalho, que viu nascer a escrita da língua Tuyuka, com o projeto coordenado por Gilvan Oliveira, assim como ajudou o povo Tuyuka a constituir sua linguagem matemática a partir do saber matemático já praticado na aldeia a partir da criação de seus artefatos, cestarias, fabricação de barcos e tantos outros.
Neste trabalho, Maurice incentivou que os conceitos matemáticos fossem discutidos e definidos na língua Tuyuka, um aspecto político muito importante para que a língua daquele povo não apenas se mantivesse viva, mas fosse ampliada, agora, com o embrião de sua linguagem matemática que ganhava forma.
Em 2001, Maurice e Enedina iniciaram um trabalho conjunto, acompanhados por alguns colegas artistas, psicólogos, pedagogos assistente social e um estudante de geografia, no Rio Tavares, em Florianópolis. Maurice coordenou as oficinas de percepção visual, no que se tornou posteriormente a Casa da Colina – Espaço de Saúde e de Cultura, da qual se tornou presidente. Destas oficinas se estabeleceu uma equipe de pesquisa com a construção de módulos experimentais, cuja finalidade era que seu experimentador vivesse alguns fenômenos de percepção visual e refletisse sobre eles, para construir um saber de que o mundo visto por nós, não é tão evidente quanto parece, e deste modo, popularizar estes conhecimentos. Este trabalho coletivo deu origem à Exposição de Percepção Visual “O Que Tu Vês?”, que foi inaugurada no Primeiro Sábado da Saúde organizado pelo Movimento Pró-Saúde, da Fazenda do Rio Tavares, que deu origem ao Conselho de Saúde deste bairro.
Como sempre fazia, Maurice jamais separava seu tempo entre as atividades intelectuais e acadêmicas das atividades políticas. Estas atividades estavam geralmente vinculadas aos seus amores e desamores, ao longo da vida.
Em 2006 a família se muda para Neuilly, ao lado de Paris. Enquanto na França, Maurice escreveu a respeito de suas experiências com os índios da Amazônia e mantinha intensa relação com seus amigos mais próximos: Patrick Fleury, Douady, Jim Ritter, Roberto Salmeirão, entre outros. Nessa época Maurice foi à Lisboa para assessorar José Mariano Gago com o Ciência Viva português.
O casal Martins-Bazin se separa em 2007, ainda na França e, ao retornarem ao Brasil, Maurice se muda de volta para o Rio de Janeiro e passa a colaborar mais uma vez com o Espaço Ciência Viva.
Nos últimos anos de sua vida Maurice aproveita de sua aposentadoria, sem deixar de lado o educador nato que sempre foi. Ele passa a estudar a língua de LIBRAS para ensinar física aos alunos surdos do Instituto Nacional de Educação de Surdos, no Rio de Janeiro.
Este é o último projeto encabeçado por Maurice Bazin, que ficou inacabado com sua morte repentina devido a problemas cardíacos. Maurice faleceu dia 19 de outubro de 2009, na Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro.
Esta trajetória incomum estabelecida por Maurice Bazin, marcada por sua curiosidade e abertura para o novo – o que definiu o cientista – pela generosidade, pela inquietude e profunda consciência política e social, movida certamente pelo significante Aliado – Era um imperativo.
Nunca, em momento algum, Maurice demonstrou cansaço, ou qualquer queixa relacionada ao acúmulo de trabalho, e nesta esfera não havia vacilação ou qualquer inibição. Ele lutava incansavelmente, imperativamente, como se tivesse que vencer, dia a dia, uma guerra.